A reorganização do mercado de trabalho, com fusões e aquisições de empresas, está criando um problema a mais para os trabalhadores participantes de fundos de pensão. A retirada do patrocínio — parcela recolhida pelo patrão — é um movimento que, de uma hora para outra, pode deixar o trabalhador sem chão. Os colchões de recursos constituídos para eventualidades ruins, as chamadas reservas técnicas, têm valores individualizados e, como a saída da companhia implica na extinção do plano de previdência, eles podem não ser suficientes para a continuidade do pagamento do benefício aos pensionistas ou mesmo àqueles que já se aposentaram.
“O participante fica desamparado nessas situações”, resume a presidenta da Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão (Anapar), Cláudia Ricaldoni, que dispara críticas à Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) por autorizar a retirada da patrocinadora sem uma avaliação criteriosa dos motivos que levaram a empresa à decisão, que é sempre unilateral.
Na opinião de Cláudia, a análise da Previc detém-se apenas sobre a parte técnica, como a verificação da existência ou não de um rombo no plano. Se confirmado, o buraco tem que ser coberto por quem o patrocina. Em nenhum momento, de acordo com a Anapar, a retirante é questionada Previc. “A lei não estabelece as condições em que a retirada é possível”, observa a representante dos trabalhadores. O presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), José de Souza Mendonça, defende que os recursos devem ficar acumulados no fundo para que seja preservado.
Para Cláudia, a Previc baseia-se ainda em uma resolução antiga, editada ainda pelo então Conselho de Previdência Complementar, que não existe mais.
Denúncias
De acordo com os dados da Previc, a retirada de patrocínio vem crescendo nos últimos anos, fruto das mudanças verificadas no mercado de trabalho. Em 2000, apenas cinco empresas obtiveram autorização para deixarem de contribuir para os planos. O número saltou para 75 em 2005, 86 em 2008 — ano do início da crise econômica — e continuou elevado em 2009, com mais 62 casos. Neste ano, até o momento, já são 36. O fim do patrocínio pode explicar a queda do número de trabalhadores participantes, por exemplo. Em 2008, o total dos protegidos pela previdência complementar fechada era de 2.759.683 pessoas. Em 2009, caiu para 2.695.800, o que significa a exclusão de 63.883 do sistema.
A Associação Beneficente de Aposentadoria da Copene/ Braskem (Abaco) já fez várias denúncias à Previc e ao próprio Ministério da Previdência Social. Dos 784 aposentados do plano, cerca de 20% (157 pessoas) receberam até R$ 100 mil a título de reserva técnica individual, o que é insuficiente para o pagamento de benefícios por mais de quatro anos.
O caso mais emblemático, e que se encontra na Justiça, é o da pensionista Maria Bernadete Carvalho, uma senhora com 98 anos de idade. Na homologação da retirada de patrocínio da Braskem, ela recebeu do fundo de pensão Petros uma planilha com os cálculos referentes à sua reserva. No lugar do direito ao benefício, soube que devia R$ 1.190,00 ao plano. “Dona Bernadete teima em viver além dos 84 anos da tábua biométrica considerada”, ironizam Antônio Paulo de Oliveira Santos, da Abaco, e antigos participantes do plano.
Desrespeito a direito adquirido
Quando uma empresa patrocinadora abandona um plano de previdência, ela quebra um contrato, sustenta a Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão (Anapar). A entidade não questiona o direito que a empresa tem de encerrar o patrocínio, mas alega que é preciso ter critérios para isso, além de alguma garantia aos participantes, aos pensionistas e aos trabalhadores já aposentados. "Da forma como vem sendo feita, a retirada lesa o direito adquirido dos participantes, especialmente dos assistidos", denuncia Cláudia Ricaldoni, presidenta da entidade. O diretor técnico da Previc, Carlos de Paula, não concorda com a posição da Anapar. Para ele, a resolução que respalda a decisão do órgão contou com o apoio dos participantes, uma vez que o autal Conselho Nacional de Previdência Complementar é quadripartite. "Quando a empresa cria um plano de benefícios, ela tem direitos e obrigações e é preciso que haja liberdade tanto para contratar quanto para encerrar o contrato", observa. Sem essa condição, alega Carlos de Paula, as empresas podem perder o interesse de oferecer planos de caráter previdenciário a seus funcionários.
Mudança
"Uma empresa não retira o patrocínio porque quer. Quando isso acontece, foi alguma reorganização societária que a levou a tomar essa decisão", pondera ainda o titular da Previc. Carlos de Paula explicou que existe todo um cuidado na hora de individualizar as reservas de cada participante. Mesmo assim ele reconheceu que pode haver uma redução no valor a receber ou mesmo, em casos extremos, o saldo ficar negativa. Ou seja, é possível o participante não levar nada do plano ou até tornar-se um devedor, consequência da aplicação da tábua biométrica usada para calcular a duração média da vida das pessoas. Foi isso o que ocorreu com vários participantes do Plano Petros Braskem, que pediu a retirada de patrocínio em 2005 e recebeu a homologação no ano passado. Para evitar situações como a da Braskem, o governo prepara mudanças. Está na mesa da Secretaria de Políticas de Previdência Complementar uma proposta de participantes e das entidades para alterações na resolução que baliza a retirada de patrocínio.
(Vânia Cristino - Correio Braziliense-16.08)
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