SUS: Transplante de medula para doença falciforme
11/11/2014
Em dezembro, o Ministério da Saúde deve publicar uma portaria que vai incluir a doença falciforme
no rol de terapias passíveis de transplantes realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Foi o
que revelou o coordenador geral do Sistema Nacional de Transplantes, Heder Murari Borba, durante
audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado
Federal realizada nesta segunda-feira (10).
Segundo explicou, nem todos os portadores da anemia falciforme recebem a indicação para o
transplante de medula óssea, apenas os casos mais graves, como quem tem lesão cerebral ou risco de
ter devido à doença, ou quem sofra com constantes crises de priapismo (ereções prolongadas e
dolorosas), por exemplo. Estima-se que 60 a 80 casos por ano poderão ser atendidos.
"Elas terão a alternativa terapêutica do transplante alogênico aparentado, vai se fazer uma
pesquisa na família para ver a compatibilidade genética que precisa ser muito próxima, e essas
pessoas vão ser encaminhadas para o serviço de transplante. A gente sabe que no caso da doença
falciforme é curativo, não é uma terapêutica paliativa, ele cura", declarou.
Como o transplante é entre os familiares compatíveis, explicou Heder Borba, não deve haver filas
de espera e já em 2015, quem recebe a indicação poderá ser transplantado, após realizar os exames
necessários. Entretanto, lembra o coordenador do SNT, apesar de ser curativo, o transplante não é
isento de riscos, já que a pessoa é submetida a uma queda de imunidade muito grande e passa a tomar
imunossupressores para evitar a rejeição pelo resto da vida, abrindo portas para outras
complicações.
- Por isso, há muito cuidado para se indicar o transplante, porque a pessoa pode viver com a
doença falciforme, com o tratamento de suporte, durante muitos anos – ponderou.
De acordo com Borba, ao longo de três anos de discussão, já existe amplo consenso sobre os reais
benefícios do procedimento e não deve haver dificuldades para a aprovação.
Somente em 2013, foram realizados 2.300 transplantes de medula óssea no país. Somados todos os
tipos, foram 23 mil. A sobrevida geral dos transplantados “é fantástica, de mais de
90%”, conforme declarou Borba.
Falta de política pública
Para Maria Zenó Soares, presidente da Federação Nacional das Associações de Pessoas com Doença
Falciforme (Fenafal), apesar dos avanços dos últimos anos, os portadores de doença ainda sofrem com
a ignorância da maioria da população sobre o mal e com a falta de políticas públicas integradas. A
situação piora com o recorte étnico/racial, já que a maioria dos doentes é negra.
Conforme relatou, há desconhecimento sobre as dores excruciantes que os doents sofrem em crise,
que não são resolvidos com medicamentos leves como dipirona, e eles são acusados de ser
“viciados em morfina” nos serviços de saúde. Falta atendimento humanizado, reclamou, já
que pacientes chegam a esperar seis horas para ver um médico, sofrendo com as dores e são obrigados
a ouvir ironias como “se a dor fosse tão forte, não teria conseguido vir de ônibus”.
Ela também lamentou que o governo deixe faltar o medicamento essencial no tratamento, a
hidroxiureia. Desde outubro, não há o remédio na rede pública.
Da mesma forma, não há um olhar diferenciado nas escolas, seja para conseguir identificar
crianças portadoras da enfermidade por situações como a estafa, um dos sintomas da doença
falciforme, ou por não haver condescendência nas avaliações e reposições de aulas dos alunos que
perderam exames em decorrência das internações, levando à evasão escolar.
Outra mudança a ser feita é o reconhecimento da anemia falciforme como causa de invalidez, diz.
Por causa das internações prolongadas, os portadores da doença sofrem com as demissões constantes,
e não têm acesso ao benefício da prestação continuada nem ao auxílio doença. Maria Zenó também
trouxe a vivência dos atendimentos que acompanha em Belo Horizonte (MG). Dos 6.500 portadores
identificados, 5.655 recebem algum tipo de atendimento. Deste total, 5.541 recebem o Bolsa Família,
5.372 são negros e pardos e 282 são brancos.
Em 2014, a Fenafal já contabilizou 133 mortes de crianças e jovens no país, como a única filha
de Cláudia Lima, moradora de Brasília que estava na plateia, e morreu aos 24 anos de um AVC
fulminante, contou em um relato emocionado.
Avanços
Também participou da audiência Ana Margareth Alves, da Coordenação Geral de Sangue e
Hemoderivados do Ministério da Saúde, que relatou os avanços em prol das pessoas com doença
falciforme, como a pesquisa para a produção pediátrica da hidroxiureia, em curso no Centro de
Pesquisa da Aeronáutica, que beneficiará crianças a partir dos três anos. Ela também lamentou não
haver dados sistematizados do país inteiro sobre a doença e mais pesquisas que refletem a realidade
nacional, miscigenada.
Já Macaé Evaristo, Secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do
Ministério da Educação, informou sobre o curso de 90 horas/aula que será ministrado, a partir de
2015, especialmente aos professores dos estados brasileiros onde há mais prevalência de doença
falciforme: Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Maranhão e Pernambuco. Com o ensino de cultura e
história afro-brasileira, a ideia é prepara-los para identificar a doença e trabalhar para a
desconstrução de preconceitos e ideias preconcebidas, como a ideia de que pessoas com anemia
falciforme precisariam de suplementação de ferro, quando na verdade sofrem com o excesso do mineral
no sangue.
O curso online será ministrado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), em associação com a Faculdade de Educação. A prevalência do Brasil é de 1 para cada
1000 nascidos vivos, sendo a Bahia o estado com mais casos, 1 para cada 650 nascidos vivos. Em
Minas e Pernambuco, são 1 a cada 1400. Para comparação, no Rio Grande do Sul 1 a cada 10 mil
nascidos vivos tem a doença. (Agência Senado)
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