TIC: Ex-presidente da Telebrás, Rogério Santanna, acusa governo e atual direção da estatal de fazerem o jogo das teles, em benefício delas somente
Um dos mentores do Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) no final do governo Lula, Rogério Santanna, não aceita a ideia de que o projeto esteja enfraquecido: “O PNBL acabou”, decreta, acusando o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, de entregar a iniciativa nas mãos das teles.
Após discutir a formulação do programa como secretário de Logística e Tecnologia do Ministério do Planejamento, Santanna foi alçado em maio de 2010 à presidência da Telebras, estatal que passou por um processo de (quase) fortalecimento para dar conta do propósito ao qual estava destinada no PNBL: levar a banda larga onde o mercado não tivesse interesse, inclusive concorrendo no fornecimento direto ao consumidor.
Mas, já com Bernardo no comando das Comunicações, e Dilma, no do Planalto, a demissão de Santanna, em maio de 2011, enviou um recado: “Sinalizou para todo mundo, operadoras e sociedade, que o programa tal qual foi concebido no governo do presidente Lula não seria executado.”
Dali por diante, a decisão foi de que a Telebras não concorreria mais diretamente, e seria, pelo contrário, uma parceira das teles na tarefa de construir estrutura. A solução apresentada por Bernardo foi de que as empresas apresentassem um pacote com custo de R$ 35 a uma velocidade de um megabyte.
Passados dois anos, a reportagem da RBA tentou assinar a internet do PNBL através das operadoras e não conseguiu. Entre os problemas, apresentação de critérios diferentes dos propostos pelo Ministério das Comunicações, como o de ser beneficiário do Bolsa Família para acessar o serviço, desconhecimento da existência do programa e oferecimento dos chamados “combos”. Além disso, em muitas cidades informadas como beneficiadas pelo programa não é possível adquirir o pacote, pois as empresas, e a própria Telebras, desmentem a lista do ministério, afirmando que ainda não há PNBL nestes locais.
Como o senhor avalia essa situação a que o programa chegou, em que as pessoas sequer conseguem contratar o serviço?
Não existe esse serviço prestado. Você vai ter que se esforçar muito para achar alguém que conseguiu comprar. As operadoras escondem isso no seu site. Só procurando muito para encontrar. Porque isso concorre com os programas que eles vendem. Além disso, eles criaram uma oferta extremamente raquítica, com limitações de acesso, que se você acessar a página da operadora praticamente acaba com a sua franquia.
Elas conseguiram piorar tanto o serviço que a pior oferta da operadora já é melhor. Assim não adianta o sujeito comprar uma banda larga pelo PNBL. É mais ou menos assim: aumentou o tamanho da torneira e trocou a caixa d’água por um balde. Quer dizer, não adiantou nada. Na primeira consulta você já consumiu a franquia e vai ter que pagar mais ou usar um serviço mais lento.
Não, o PNBL acabou. Você pode perceber também que a candidata Dilma, que depois se elege presidenta, na campanha dela em nenhum momento ela se comprometeu com a democratização da banda larga. Ela se comprometeu com banda larga nas escolas, mas na fala dela não aparece o programa. É só olhar o programa eleitoral dela para perceber que é uma ausência, talvez premeditada, de não querer se comprometer publicamente porque não ia fazer. Como não está mesmo fazendo.
E colocou o ministro Paulo Bernardo para prestar esse serviço para as operadoras que desde o início, quando assumiu, no fim do governo do presidente Lula e fim do governo da presidente Dilma, declarou-se o ministro das Teles, pelo Twitter. E está indo muito bem no papel.
A que o senhor atribui esse desmonte do programa?
Acho que a minha saída na direção da Telebras sinalizou para todo mundo, operadoras e sociedade, que o programa tal qual foi concebido no governo do presidente Lula não seria executado. Veja o seguinte: o programa proposto pelo presidente Lula estava muito longe de ser um programa sequer socialista. Era um programa para levar o capitalismo onde não há.
Houve uma inflexão muito grande do atual governo da presidenta Dilma em direção a um programa mais próximo dos interesses das empresas de telecomunicação. Isto é, não fazer nada. A gente está vendo que a opção de fazer a banda larga com as operadoras, como já era sabido, não funciona. E isso não é a primeira vez que acontece. Já aconteceu com programas anteriores, como o Computador para Todos, que pretendia ampliar a aquisição de PCs e o acesso à internet. Este também ninguém nunca conseguiu contratar.
O PNBL tornou-se um grande monopólio privado que tem um péssimo nível de serviço. Este é exatamente o interesse das operadoras: trazer o modelo da telefonia para a internet, que é uma coisa em que eles vêm trabalhando muito. Esse é o derradeiro esforço. Acho que uma das coisas que demonstram a mudança completa de direção do governo é o Marco Civil da Internet. Ele foi construído pelo governo. Fez consulta pública. Construiu uma lei de forma exemplar no governo do presidente Lula e, depois, empacou.
O Ministério das Comunicações divulga o programa como um sucesso. Porém ao ser questionado sobre os problemas encontrados, informa que fiscalização é competência da Anatel.
A Anatel, infelizmente, é uma agência capturada pelos interesses das operadoras. Em qualquer agência séria se trabalha para apoiar as reivindicações dos cidadãos. E os projetos são plenamente transparentes. O que vemos aqui no Brasil é exatamente o inverso. Se percebe que a agência está sempre protegendo os interesses dos regulados, e não do cidadão. É uma situação absurda de captura que é inaceitável. Já o ministério não tem estrutura de fiscalização. Ficou no limbo.
Tem uma regrinha básica de agências de regulação que diz o seguinte: toda agência reguladora que não for odiada por seus regulados não merece existir. Então o que nós estamos vendo aqui é uma leniência e uma convivência da agência com todos os interesses das operadoras. Ao ponto de as operadoras, em público, reivindicarem que a agência passe a regular a internet no Brasil, já que ela lhes serve muito bem.
A Telebras não poderia atuar onde o mercado não quer?
Hoje a Telebras é uma via auxiliar dos interesses das operadoras. Pode-se ver claramente o esforço de ligar os estádios da Copa das Confederações à tecnologia 4G — que é mais eficiente na transmissão de dados e tem maior velocidade. Isso era uma atribuição exclusiva da Oi, que era quem tinha um contrato com a Fifa.
Quem teve que fazer isso e arcar com os investimentos, cujo retorno é difícil de ser mensurado, foi ninguém mais que a Telebras. A estatal teve que atuar fora da sua definição para ficar compatível com os interesses da Oi. Não tinha nenhum motivo para a Telebras fazer esse investimento.
Mas o grande problema é que o governo não tem mais interesse. É muito importante perceber o seguinte: Orçamento. Quer saber o planejamento estratégico do governo? É só olhar o orçamento. Onde está colocado o dinheiro e onde ele foi executado. É o que é importante para o governo. E lá não está a banda larga. Podemos observar cada dia um orçamento mais minguado e a baixa execução dada a ele.
Fonte: RBA e Colaboração: Gloria Cardoso (17/09/2013)
Após discutir a formulação do programa como secretário de Logística e Tecnologia do Ministério do Planejamento, Santanna foi alçado em maio de 2010 à presidência da Telebras, estatal que passou por um processo de (quase) fortalecimento para dar conta do propósito ao qual estava destinada no PNBL: levar a banda larga onde o mercado não tivesse interesse, inclusive concorrendo no fornecimento direto ao consumidor.
Mas, já com Bernardo no comando das Comunicações, e Dilma, no do Planalto, a demissão de Santanna, em maio de 2011, enviou um recado: “Sinalizou para todo mundo, operadoras e sociedade, que o programa tal qual foi concebido no governo do presidente Lula não seria executado.”
Dali por diante, a decisão foi de que a Telebras não concorreria mais diretamente, e seria, pelo contrário, uma parceira das teles na tarefa de construir estrutura. A solução apresentada por Bernardo foi de que as empresas apresentassem um pacote com custo de R$ 35 a uma velocidade de um megabyte.
Passados dois anos, a reportagem da RBA tentou assinar a internet do PNBL através das operadoras e não conseguiu. Entre os problemas, apresentação de critérios diferentes dos propostos pelo Ministério das Comunicações, como o de ser beneficiário do Bolsa Família para acessar o serviço, desconhecimento da existência do programa e oferecimento dos chamados “combos”. Além disso, em muitas cidades informadas como beneficiadas pelo programa não é possível adquirir o pacote, pois as empresas, e a própria Telebras, desmentem a lista do ministério, afirmando que ainda não há PNBL nestes locais.
Como o senhor avalia essa situação a que o programa chegou, em que as pessoas sequer conseguem contratar o serviço?
Não existe esse serviço prestado. Você vai ter que se esforçar muito para achar alguém que conseguiu comprar. As operadoras escondem isso no seu site. Só procurando muito para encontrar. Porque isso concorre com os programas que eles vendem. Além disso, eles criaram uma oferta extremamente raquítica, com limitações de acesso, que se você acessar a página da operadora praticamente acaba com a sua franquia.
Elas conseguiram piorar tanto o serviço que a pior oferta da operadora já é melhor. Assim não adianta o sujeito comprar uma banda larga pelo PNBL. É mais ou menos assim: aumentou o tamanho da torneira e trocou a caixa d’água por um balde. Quer dizer, não adiantou nada. Na primeira consulta você já consumiu a franquia e vai ter que pagar mais ou usar um serviço mais lento.
Não, o PNBL acabou. Você pode perceber também que a candidata Dilma, que depois se elege presidenta, na campanha dela em nenhum momento ela se comprometeu com a democratização da banda larga. Ela se comprometeu com banda larga nas escolas, mas na fala dela não aparece o programa. É só olhar o programa eleitoral dela para perceber que é uma ausência, talvez premeditada, de não querer se comprometer publicamente porque não ia fazer. Como não está mesmo fazendo.
E colocou o ministro Paulo Bernardo para prestar esse serviço para as operadoras que desde o início, quando assumiu, no fim do governo do presidente Lula e fim do governo da presidente Dilma, declarou-se o ministro das Teles, pelo Twitter. E está indo muito bem no papel.
A que o senhor atribui esse desmonte do programa?
Acho que a minha saída na direção da Telebras sinalizou para todo mundo, operadoras e sociedade, que o programa tal qual foi concebido no governo do presidente Lula não seria executado. Veja o seguinte: o programa proposto pelo presidente Lula estava muito longe de ser um programa sequer socialista. Era um programa para levar o capitalismo onde não há.
Houve uma inflexão muito grande do atual governo da presidenta Dilma em direção a um programa mais próximo dos interesses das empresas de telecomunicação. Isto é, não fazer nada. A gente está vendo que a opção de fazer a banda larga com as operadoras, como já era sabido, não funciona. E isso não é a primeira vez que acontece. Já aconteceu com programas anteriores, como o Computador para Todos, que pretendia ampliar a aquisição de PCs e o acesso à internet. Este também ninguém nunca conseguiu contratar.
O PNBL tornou-se um grande monopólio privado que tem um péssimo nível de serviço. Este é exatamente o interesse das operadoras: trazer o modelo da telefonia para a internet, que é uma coisa em que eles vêm trabalhando muito. Esse é o derradeiro esforço. Acho que uma das coisas que demonstram a mudança completa de direção do governo é o Marco Civil da Internet. Ele foi construído pelo governo. Fez consulta pública. Construiu uma lei de forma exemplar no governo do presidente Lula e, depois, empacou.
O Ministério das Comunicações divulga o programa como um sucesso. Porém ao ser questionado sobre os problemas encontrados, informa que fiscalização é competência da Anatel.
A Anatel, infelizmente, é uma agência capturada pelos interesses das operadoras. Em qualquer agência séria se trabalha para apoiar as reivindicações dos cidadãos. E os projetos são plenamente transparentes. O que vemos aqui no Brasil é exatamente o inverso. Se percebe que a agência está sempre protegendo os interesses dos regulados, e não do cidadão. É uma situação absurda de captura que é inaceitável. Já o ministério não tem estrutura de fiscalização. Ficou no limbo.
Tem uma regrinha básica de agências de regulação que diz o seguinte: toda agência reguladora que não for odiada por seus regulados não merece existir. Então o que nós estamos vendo aqui é uma leniência e uma convivência da agência com todos os interesses das operadoras. Ao ponto de as operadoras, em público, reivindicarem que a agência passe a regular a internet no Brasil, já que ela lhes serve muito bem.
A Telebras não poderia atuar onde o mercado não quer?
Hoje a Telebras é uma via auxiliar dos interesses das operadoras. Pode-se ver claramente o esforço de ligar os estádios da Copa das Confederações à tecnologia 4G — que é mais eficiente na transmissão de dados e tem maior velocidade. Isso era uma atribuição exclusiva da Oi, que era quem tinha um contrato com a Fifa.
Quem teve que fazer isso e arcar com os investimentos, cujo retorno é difícil de ser mensurado, foi ninguém mais que a Telebras. A estatal teve que atuar fora da sua definição para ficar compatível com os interesses da Oi. Não tinha nenhum motivo para a Telebras fazer esse investimento.
Mas o grande problema é que o governo não tem mais interesse. É muito importante perceber o seguinte: Orçamento. Quer saber o planejamento estratégico do governo? É só olhar o orçamento. Onde está colocado o dinheiro e onde ele foi executado. É o que é importante para o governo. E lá não está a banda larga. Podemos observar cada dia um orçamento mais minguado e a baixa execução dada a ele.
Fonte: RBA e Colaboração: Gloria Cardoso (17/09/2013)
Copiado integralmente do Blog Aposentelcom
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