Aspectos polêmicos da nova lei dos empregados domésticos
lan Balaban Sasson - 27/03/2013 -
Não resta qualquer dúvida que a nova proposta de emenda constitucional – PEC - do deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT) é de extrema importância e relevância para o ordenamento pátrio vigente. Isso porque, a nova PEC corrigiu um grave erro histórico visto que o artigo 7º da Constituição Federal em seu parágrafo único excluía diversos direitos dos empregados domésticos.
Leia mais:
Essa exclusão deve-se unicamente ao pensamento escravocrata que assolava nosso País até pouco tempo atrás. Não é crível que no final século passado – onde a Constituição Federal foi elaborada e sancionada – alguns empregados seriam excluídos de direitos basilares dos demais trabalhadores brasileiros.
Vale destacar que nos termos da lei laboral vigente, empregado é considerado aquele que tem subordinação, onerosidade, habitualidade e pessoalidade. Se levarmos esses requisitos aos empregados domésticos iremos identificar de forma clara que esses também são os requisitos que estão presentes no pacto laboral desse nicho de trabalhadores.
Ocorre que no momento em que o artigo 7º da Constituição Federal – que se diz tão humanitária – foi aprovado com o seu parágrafo único, não se levou em conta que em um futuro próximo os empregados domésticos também teriam os mesmos direitos dos empregados celetistas – o que observamos nos dias de hoje. Dessa forma um grave erro legislativo foi feito e que poderia ter sido solucionado com a simples exclusão do parágrafo único do artigo 7º e a inclusão dos empregados domésticos equiparados aos empregados urbanos e rurais.
Porém, o que acompanhamos em nosso passado esta se repetindo nos dias de hoje. Se a PEC dos domésticos for aprovada nos termos do atual texto teremos diversas dúvidas e inseguranças jurídicas que podem ser solucionadas de imediato – e não aguardarmos outras décadas para serem sanadas.
O primeiro ponto e talvez o mais gritante infere-se a jornada de trabalho. Isso porque nos termos da PEC o empregado doméstico deve ter sua jornada de trabalho equiparada aos demais empregados celetistas no período máximo de quarenta e quatro horas por semana sob pena do empregador adimplir com horas extras.
Da leitura preliminar desse novo direito, não resta qualquer dúvida que o empregado doméstico - já que está sendo equiparado ao empregado celetista - deve ter sua jornada delimitada e caso extrapole deve perceber pelo trabalho extraordinário. Porém, indaga-se. Como essa jornada será controlada? Como será feita a prova dessa jornada de trabalho? Como será feita a fiscalização? Quem poderá ou não testemunhar?
É sabido que os empregados celetistas – e até mesmo alguns rurais – tem sua jornada de trabalho controlada por meio eletrônico – o conhecido ponto eletrônico. Por outro lado, empregadores que contam com até dez empregados em seus estabelecimentos não estão obrigados a controlar a jornada de trabalho, devendo apenas respeitar as quarenta e quatro horas semanais.
Assim, a forma de controle de horário de trabalho do empregado doméstico não está clara nos termos da PEC, ou seja, como será feito esse controle pelo empregador?
Ainda, o trabalho doméstico é caracterizado por não gerar lucro ao empregador e ser pautado pela confiança e dentro da seara familiar. Dessa forma, a fiscalização pelos Órgãos competentes – Ministério Público do Trabalho e Ministério do Trabalho e Emprego – não poderá extrapolar os limites das residências onde os domésticos trabalham, ou seja, não ocorrerá qualquer tipo de fiscalização.
Nos casos de futura demanda judicial os próprios familiares não poderão depor em juízo para fazer prova, visto que a lei vigente não permite. Como será feita essa prova?
Note-se que em todos os aspectos, por mais que a jornada de quarenta e quatro horas seja justa e deve ser respeitada pelos empregadores domésticos não há qualquer mecanismo na lei que fale como ela será feita, ou seja, com a aprovação da PEC teremos que aguardar uma nova legislação que regulamente como será feito o controle e quem poderá fiscalizar.
O segundo ponto polêmico da PEC dos domésticos infere-se proteção contra a despedida sem justa causa.
Nesse aspecto a PEC não é feliz. Isso porque nos termos dos princípios constitucionais não há como obrigar nenhum empregador a manter seu empregado no labor ora pactuado – para isso existem meios como o seguro desemprego, levantamento do fundo de garantia etc. – que protegem os empregados das dispensar arbitrarias.
Além disso, nos termos da lei trabalhista vigente – já que a ideia é equiparar os domésticos – existe o poder diretivo do empregador que lhe faculta ficar ou não com um determinado empregado.
Criar uma cláusula de proteção contra despedida sem justa causa irá segregar ainda mais a classe dos empregados domésticos e irá abrir discussão aos empregados urbanos e rurais que devem pleitear o mesmo direito.
O terceiro ponto refere-se ao fundo de garantia e a retroatividade da lei.
Isso porque, nada mais justo do que garantir ao empregado doméstico o percebimento ao fundo de garantia. Se ele é considerado um empregado como os demais, esse direito deve ser estendido a ele.
Porém, o que não está claro na atual PEC é se esse direito ao percebimento fundiário será retroativo ou não. Imagine um empregado doméstico que trabalha em uma determina residência por trinta anos. Com a aprovação da legislação constitucional o empregador do dia para a noite começa a ter um passivo trabalhista de trinta anos de recolhimento – com as devidas correções monetárias.
Esse assunto veio à tona quando muitas decisões judiciais – quando da aprovação da lei que modificou o aviso prévio de trinta para noventa dias – apenavam os empregadores aos pagamentos retroativos e só após o TST promulgar súmula explicativa é que as decisões foram pacificadas.
Frise-se que o TST não é competente para legislar e dessa forma a súmula jurisprudencial não tem força de lei – por mais que seja utilizada como se lei fosse.
Entretanto, ocorreu certo temor jurídico, visto que a lei do aviso prévio não era clara se retroagia ou não. O mesmo irá ocorrer com a aprovação da PEC dos domésticos com o atual texto. A lei retroage ou não?
Entende-se que a lei não poderá retroagir. Porém, por cautela o legislador pode incluir no texto final essa explicação.
O quarto ponto controvertido da atual PEC versa sobre a redução dos riscos do trabalho.
Se o trabalho desenvolvido pelo empregado doméstico apresenta algum risco, então esse trabalho pode ser considerado insalubre ou perigoso. E se assim for considerado o adicional de insalubridade ou periculosidade será devido ao doméstico?
A PEC não é clara nesse aspecto visto que não faz menção as atividades que o doméstico pode ou não fazer, não vislumbra qualquer norma regulamentadora e ainda proíbe esse tipo de trabalho aos menores de dezesseis anos, ou seja, aos maiores é permitido e se permitido como deve ser classificado?
Por fim, um último ponto deve ser muito bem pontuado e explicado na nova PEC.
A ideia primordial da nova PEC é equiparar o direito dos empregados domésticos aos demais empregados urbanos e rurais. Dessa forma o que é válido para um é válido para outro.
Ocorre que há uma lei – 8.009/90 - que em seu art. 3º, I, declara que a impenhorabilidade do bem de família não é oponível no processo executivo trabalhista quando se trata dos créditos de trabalhadores da própria residência, ou seja, se em uma futura demanda trabalhista o empregado doméstico obtiver êxito e o empregador não tiver outro bem senão o bem de família esse, pasmem, poderá ser executado para saldar o débito.
Entretanto, se há uma isonomia entre o doméstico e os demais empregados não é justo que o bem de família também possa saldar dívidas de empregados urbanos e rurais?
Diante de todo o exposto, não resta a menor dúvida que a nova PEC é muito bem vinda e que chega em um momento de nosso País para apagar da história qualquer resquício de sociedade escravocrata ou segregacionista que ainda exista. Porém, é preciso tomar muito cuidado com o texto aprovado para que não gere qualquer dúvida na sua aplicação e em seus desdobramentos.
O correto e mais sensato é a aprovação da nova PEC em conjunto com uma legislação ordinária que valide cada alteração contida na emenda. Ambos os textos devem explicar como cada item será feito e o funcionamento de cada mecanismo legal, bem como, o Ministério do Trabalho e Emprego deve ter um papel fundamental nessa transição e estar preparado para explicar e auxiliar tanto os empregadores quanto os empregados das novas mudanças.
É preciso uma grande sinergia – e força de vontade - entre os Órgãos competentes e a sociedade brasileira para que essas modificações constitucionais sejam feitas e principalmente respeitadas.
Fonte: Última Instância
Nenhum comentário:
Postar um comentário