Por Pedro Vale - Novo Jornal
Responsável pelo desenvolvimento de uma técnica nova no tratamento da patologia cardíaca denominada estenose aórtica, médico alemão Eberhard Grube, acompanha em Natal procedimento realizado em paciente.
Um método que pode representar a diferença entre a vida e a morte para alguns pacientes, o sistema CoreValve é uma inovação no tratamento da estenose aórtica e tem a capacidade de salvar pessoas antes consideradas incuráveis. Pela quinta vez foi realizado ontem em Natal o procedimento para se aplicar a CoreValve em um paciente diagnosticado com a doença e tudo foi acompanhado de perto por um dos profissionais que ajudou a desenvolver a técnica.
O doutor Eberhard Grube passou a manhã no Hospital do Coração acompanhando a intervenção que os médicos Eduardo Hipólito e Luiz Fernando Alves Campos realizaram em John Patterson Millions, paciente de 84 anos, que provavelmente morreria por insuficiência cardíaca sem a instalação da válvula, que durou cerca de uma hora. Como os dois potiguares ainda estão em fase de treinamento do novo método e não podem realizá-lo sozinhos, o médico alemão esteve presente na sala de cirurgia na condição de supervisor.
Além de ter liderado o grupo que desenvolveu a válvula e o sistema de inserção que compõem o CoreValve, Grube é um dos principais difusores do método. Desde 2004, quando a cirurgia foi realizada pela primeira vez, na Alemanha, o médico viajou por diversos países da Europa, América e Ásia para divulgar o sistema. No Brasil, a primeira intervenção com o CoreValve ocorreu em 2008, em São Paulo.
Hoje em dia, existem equipes em treinamento na maioria dos estados do país. Apesar de ter casas na Alemanha, Rio de Janeiro e São Paulo e possuir o cargo de chefe da cardiologia do Hospital Alemão Osvaldo Cruz, também na capital paulista, Eberhard Grube declara, brincando, que sua moradia mesmo é nos aviões, tal o número de viagens que realiza para supervisionar as cirurgias de inserção do CoreValve.
Não surpreende que o médico alemão seja tão requisitado. Próteses como a do CoreValve são a única saída para pacientes com estenose aórtica que não podem passar pela pesada cirurgia tradicional, que envolve a abertura total do peito e apresenta riscos como o de uma infecção. Hoje, o sistema elaborado por Grube é um dos dois que usam biopróteses para acabar com os sintomas da patologia. A grande diferença do CoreValve para a cirurgia tradicional é que a prótese, uma válvula composta por três folhetos de pericárdio porcino montados e suturados em um stent autoexpansível com 5 cm de comprimenot, é inserida através de um catéter no corpo do paciente, sem os perigos inerentes à abertura do peito.
“Até agora não tivemos nenhum problema com a recuperação dos pacientes que passaram por essa cirurgia. Como qualquer cirurgia existem riscos, mas o sistema permite que aqueles que antes não tinham chances possam viver com qualidade”, destaca Grube.
O CoreValve não é barato: a válvula e o sistema de inserção custam aproximadamente R$ 120 mil. No entanto, a popularização e desenvolvimento contínuo do sistema pode diminuir esse valor e, quem sabe, até expandir o público-alvo do CoreValve.
“Devido ao custo e riscos da cirurgia, hoje apenas pacientes idosos são contemplados com a CoreValve. No futuro, porém, pacientes mais novos, abaixo dos 70 anos, também poderão passar pelo procedimento”, aponta o médico, acrescentando que seu próximo passo é conseguir a permissão do governo dos Estados Unidos para poder difundir seu sistema pelo país.
UM SUPERVISOR DURANTE A CIRURGIA
Durante o procedimento realizado na manhã de ontem, o doutor Grube estava apenas como supervisor. Foram os médicos Eduardo Hipólito e Luiz Fernando Alves Campos, do Hospital do Coração, que fizeram a cirurgia. Essa foi a terceira vez que os dois especialistas em cardiologia intervencionista aplicaram o CoreValve em um paciente; as outras duas - também sob a observação de Grube - aconteceram há três anos.
As experiências coordenadas pelo médico alemão fazem parte do treinamento necessário para capacitar os cirurgiões que pretendem utilizar o método do CoreValve. Além das três cirurgias que fizeram e de participar em congressos na Europa e nos Estados Unidos, para assistir o procedimento ser executado ao vivo, os dois médicos do Hospital do Coração ainda terão que participar de mais 17 intervenções acompanhados de Grube para estarem autorizados pela Medtronic (fabricante do CoreValve) a realizar as cirurgias sozinhos.
Embora ainda não exista uma estimativa para quando os dois estarão preparados para realizar o procedimento sozinhos, uma vez que isso depende da demanda de pacientes idosos com estenose aórtica, os bons resultados produzidos pelo novo método já podem ser sentidos. Até agora, nenhum dos dois pacientes que passaram pela cirurgia do CoreValve apresentou problemas antes da existência da válvula, no entanto, ser diagnosticado com estenose aórtica em idade avançada era quase uma sentença de morte.
“Não existia o que fazer com pacientes diagnosticados com a doença e para quem a cirurgia era contraindicada, como aqueles com idade muito avançada ou que têm outros problemas cardíacos”, conta Campos. “O CoreValve é uma saída para os doentes que antes tinham o prognóstico fechado”. Além de fatal, explica o médico, a estenose aórtica é uma enfermidade extremamente debilitante e vai piorando os sintomas a medida que evolui. Primeiro o paciente passa a sofrer desmaios, depois é acometido por anginas (dores no peito) e, por fim, começa a se sentir cansado. Depois desse último sintoma, a morte por insuficiência cardíaca chega pouco depois de um ano.
Ainda pode demorar algum tempo até que Campos e Hipólito estejam plenamente licenciados para aplicar o CoreValve e os natalenses tenham acesso às benesses proporcioanadas pelo método. Ao fim da intervenção em John Patterson Millions, contudo, Grube afirmou categoricamente: “Eles foram fantásticos, já sabem fazer tudo. Para fazer a cirurgia é preciso ter experiência, mas eles já são capazes. Só fiz dar o apoio”.
SOBRE A DOENÇA
A estenose da valva aórtica, ou somente estenose aórtica, é uma patologia cardíaca caracterizada por uma abertura incompleta da valva aórtica, que controla a direção do fluxo sanguíneo do coração a partir do ventrículo esquerdo em direção à artéria aorta. Com a doença, a valva se torna mais estreita que o normal e acaba impedindo ou diminuindo o fluxo nessa área. Essa patologia é a doença valvar cardíaca mais comum e aumenta de prevalência com a idade - cerca de 3% da população mundial com mais de 75 anos sofrem com a estenose aórtica, que é causada tanto por fatores congênitos como adquiridos, como através de uma febre reumática. Antes do advento do sistema CoreValve, era necessário abrirse o peito do paciente e substituir a valva aórtica. Pacientes que não podiam sofrer uma intervenção tão pesada, por sua vez, só podiam tomar medidas paliativas, como uma valvoplastia com catéter-balão para melhorar temporariamente os sintomas. O CoreValve, por outro lado, tem se mostrado um sistema eficaz para tratar da doença - após 10 anos da primeira inserção de uma válvula semelhante, ainda não existe na literatura médica casos de pacientes que tenham sido afetados por algum possível efeito colateral do método.
A reportagem é de Pedro Vale. O assunto foi destaque de hoje (28/08), no caderno Cidades, do Novo Jornal.