Planos econômicos: STF deve rejeitar acordo de bancos
Embora o julgamento dos planos econômicos pelo Supremo Tribunal Federal esteja suspenso, fala-se em uma tentativa dos bancos de engatilhar um “acordo” sobre o tema.
A proposta suscita teses jurídicas diversas para fundamentar a revisão apenas de poupadores que se enquadrem em situações específicas. No caso do Plano Bresser, por exemplo, considera-se que somente quem fez saques entre os dias 11 e 14 de julho de 1987 teria o direito à revisão dos valores das cadernetas. O argumento é de que esse foi período de vigência uma resolução que revogou o indexador publicado em fevereiro, quando então os poupadores já teriam conhecimento da mudança do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) para as Letras do Banco Central (LCB). Outras alegações semelhantes são apresentadas para limitar significantemente as correções devidas no Plano Verão, Collor I e Collor II.
Ao restringir as hipóteses de revisão, a proposta de “acordo” submetida ao STF poderia proporcionar perdas consideravelmente menores para os bancos sem abolir totalmente a correção de perdas pleiteadas nas demandas judiciais.
Nesse sentido, a aceitação dessa solução salomônica poderia ser considerada especialmente atraente em um momento no qual o Supremo se vê diante de um julgamento com significativas repercussões econômicas e políticas e que ditará o destino de milhares de demandas judiciais que tramitam em todo o país.
Por outro lado, o acolhimento dessa proposta daria uma sinalização um tanto quanto problemática sobre a influência dos grandes litigantes no processo de formação de precedentes e sobre a participação da sociedade civil em julgamentos de grande relevância e repercussões coletivas, como é o caso dos planos econômicos.
Já nos idos dos anos 1970, o professor Marc Galanter discorreu sobre as vantagens que os litigantes que atuam com frequência em ações judiciais similares gozam em comparação com os litigantes ocasionais, ou seja, indivíduos que tem um contato bem mais limitado com o Judiciário. Os litigantes repetitivos conseguem traçar estratégias sofisticadas, contratar advogados especializados e interferir no processo legislativo e de formação de precedentes judiciais, ao passo que os litigantes ocasionais ficariam na maior parte das vezes a margem desses processos.
Hoje no Brasil, os maiores litigantes repetitivos são o Poder Público e as instituições financeiras, envolvidos em quase 35% do total de ações que tramitam nas instâncias judiciárias do país.
Que esses grandes litigantes possuem vantagens estratégicas com relação aos indivíduos que contra eles litigam é quase que intuitivo. No entanto, a aceitação da proposta dos bancos pelo Supremo representaria a consumação de vantagens que vão muito além de sua capacidade de argumentar e de produzir dados que influenciem o convencimento dos julgadores.
Diferentemente de um julgamento, em que elementos e argumentos apresentados pelas partes são apreciados em um processo feito mediante o contraditório, a homologação de um acordo não é resultado de um debate jurídico, tampouco de um confronto de dados técnicos e evidências submetidos a um terceiro imparcial e isento. Não há a construção de um raciocínio lógico-jurídico aplicável a outros casos semelhantes, apenas a negociação de interesses para se chegar a um resultado de compromisso.
Acordos podem ser excelentes saídas para partes capazes que transigem de forma consciente e informada. No entanto, são substitutos pobres à decisão judicial ou ao julgamento colegiado em casos com nítido desequilíbrio de poder e repercussões que extrapolam a esfera de interesses das partes envolvidas. No caso dos planos econômicos, o acolhimento da proposta dos bancos seria ainda mais prejudicial, pois representaria uma composição de interesses apenas entre o Judiciário e as instituições financeiras, alijando completamente a sociedade civil do debate. Ao proceder desse modo, a Corte estaria franqueando um acesso privilegiado aos grandes litigantes no processo de formação de precedentes, permitindo que negociem diretamente questões que afetam as mais diversas esferas da vida pública na atualidade. (Maria Cecília de Araújo Asperti - Consultor Jurídico)
Embora o julgamento dos planos econômicos pelo Supremo Tribunal Federal esteja suspenso, fala-se em uma tentativa dos bancos de engatilhar um “acordo” sobre o tema.
A proposta suscita teses jurídicas diversas para fundamentar a revisão apenas de poupadores que se enquadrem em situações específicas. No caso do Plano Bresser, por exemplo, considera-se que somente quem fez saques entre os dias 11 e 14 de julho de 1987 teria o direito à revisão dos valores das cadernetas. O argumento é de que esse foi período de vigência uma resolução que revogou o indexador publicado em fevereiro, quando então os poupadores já teriam conhecimento da mudança do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) para as Letras do Banco Central (LCB). Outras alegações semelhantes são apresentadas para limitar significantemente as correções devidas no Plano Verão, Collor I e Collor II.
Ao restringir as hipóteses de revisão, a proposta de “acordo” submetida ao STF poderia proporcionar perdas consideravelmente menores para os bancos sem abolir totalmente a correção de perdas pleiteadas nas demandas judiciais.
Nesse sentido, a aceitação dessa solução salomônica poderia ser considerada especialmente atraente em um momento no qual o Supremo se vê diante de um julgamento com significativas repercussões econômicas e políticas e que ditará o destino de milhares de demandas judiciais que tramitam em todo o país.
Por outro lado, o acolhimento dessa proposta daria uma sinalização um tanto quanto problemática sobre a influência dos grandes litigantes no processo de formação de precedentes e sobre a participação da sociedade civil em julgamentos de grande relevância e repercussões coletivas, como é o caso dos planos econômicos.
Já nos idos dos anos 1970, o professor Marc Galanter discorreu sobre as vantagens que os litigantes que atuam com frequência em ações judiciais similares gozam em comparação com os litigantes ocasionais, ou seja, indivíduos que tem um contato bem mais limitado com o Judiciário. Os litigantes repetitivos conseguem traçar estratégias sofisticadas, contratar advogados especializados e interferir no processo legislativo e de formação de precedentes judiciais, ao passo que os litigantes ocasionais ficariam na maior parte das vezes a margem desses processos.
Hoje no Brasil, os maiores litigantes repetitivos são o Poder Público e as instituições financeiras, envolvidos em quase 35% do total de ações que tramitam nas instâncias judiciárias do país.
Que esses grandes litigantes possuem vantagens estratégicas com relação aos indivíduos que contra eles litigam é quase que intuitivo. No entanto, a aceitação da proposta dos bancos pelo Supremo representaria a consumação de vantagens que vão muito além de sua capacidade de argumentar e de produzir dados que influenciem o convencimento dos julgadores.
Diferentemente de um julgamento, em que elementos e argumentos apresentados pelas partes são apreciados em um processo feito mediante o contraditório, a homologação de um acordo não é resultado de um debate jurídico, tampouco de um confronto de dados técnicos e evidências submetidos a um terceiro imparcial e isento. Não há a construção de um raciocínio lógico-jurídico aplicável a outros casos semelhantes, apenas a negociação de interesses para se chegar a um resultado de compromisso.
Acordos podem ser excelentes saídas para partes capazes que transigem de forma consciente e informada. No entanto, são substitutos pobres à decisão judicial ou ao julgamento colegiado em casos com nítido desequilíbrio de poder e repercussões que extrapolam a esfera de interesses das partes envolvidas. No caso dos planos econômicos, o acolhimento da proposta dos bancos seria ainda mais prejudicial, pois representaria uma composição de interesses apenas entre o Judiciário e as instituições financeiras, alijando completamente a sociedade civil do debate. Ao proceder desse modo, a Corte estaria franqueando um acesso privilegiado aos grandes litigantes no processo de formação de precedentes, permitindo que negociem diretamente questões que afetam as mais diversas esferas da vida pública na atualidade. (Maria Cecília de Araújo Asperti - Consultor Jurídico)
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