Uma tarefa inglória na Oi
Um gigante endividado. Controladores ávidos por dividendos bilionários.
Um setor em crise. Por que a presidência da operadora de telefonia Oi é um dos
cargos mais difíceis do Brasil
Marcelo Correa /
EXAME
Loja da Oi no Rio:
a operadora perde mercado e carrega uma dívida de 25 bilhões de reais
São Paulo - Durante
os 16 meses em que presidiu a operadora de telefonia Oi, o executivo gaúcho Francisco Valim contou várias vezes a
história de um acidente aéreo ocorrido nos Estados Unidos na década de 70. Na
aterrissagem em Miami, a lâmpada vermelha que indicava a abertura do trem de
pouso não acendeu.
Os pilotos gastaram
tempo demais tentando descobrir por que a luz não funcionava, em vez de
observar a altitude do avião e acionar o trem de pouso manualmente. Acabaram
se esborrachando no chão. "Muitas vezes, a gente fica focado na luzinha
vermelha e esquece que tem de pousar o avião", dizia no fim da história
utilizada em palestras a funcionários.
Por trás da
parábola aeronáutica de Valim estava a percepção de que a miríade de problemas
de curto prazo da Oi não deveria tirar o foco das necessidades de longo prazo
da empresa (sobretudo os vultosos investimentos necessários para
melhorar os serviços e cumprir as metas de cobertura traçadas pelo governo).
Em 22 de janeiro,
Valim foi ejetado do comando da Oi bem antes do pouso que planejara. Em seu
lugar, assumiu o presidente do conselho de administração, José Mauro Mettrau
Carneiro da Cunha. A empresa vai começar a procurar agora um nome definitivo.
Foi questão de
minutos para que representantes dos controladores da Oi — os grupos Andrade
Gutierrez e La Fonte, BNDES, fundos de pensão de estatais e a Portugal Telecom
— debitassem a demissão na conta do temperamento de Valim. Definido como um
financista de estilo assertivo e, às vezes, até rude, ele acabou trombando com
os controladores em diversas ocasiões.
Conversava com eles
apenas em reuniões de conselho. Nessas ocasiões, era duro quando discordava de
algo — duro demais, dizem representantes dos controladores. Uma de suas
respostas a um pedido ao qual não queria atender foi que a demanda não seguia o
estatuto da empresa, escrito pelos próprios conselheiros. Que mudassem o
estatuto primeiro. Logo, a irritação com esse estilo começou a tomar conta da
turma que manda na Oi.
É fácil, assim,
atribuir a queda de Valim à sua inabilidade política. Mas a verdade é um pouco
mais complicada que isso. Nem o mais maleável dos executivos teria vida fácil
no comando da Oi — o cargo é um dos mais difíceis do mercado brasileiro. A
principal questão é: como conciliar os interesses dos controladores às
necessidades de uma empresa que perde mercado e carrega uma dívida de 25
bilhões de reais, disparado a maior do setor?
Talvez o episódio
que melhor simbolize os paradoxos da gestão da Oi seja justamente aquele que
serviu de gota d’água para a demissão de Valim. Na discussão do orçamento de
2013, o executivo afirmou que seria necessário investir 7,5 bilhões de reais,
em vez dos 6 bilhões previstos.
Ocorre que mais
investimento significaria menos dividendos. Os sócios exigiram que fosse
preservado o pagamento de dividendos. Segundo a corretora Planner, o lucro da
Oi deve ficar em menos de 1 bilhão de reais em 2012, mas, mesmo assim, a
empresa terá de pagar 2 bilhões de dividendos — e, como os proventos estão
sendo pagos com base em dívida, não em lucro real, isso não é sustentável no
longo prazo.
Assim se chega mais
perto da raiz dos problemas da Oi: sua enorme dívida, cujas origens remontam ao
leilão de privatização da Telebras, em 1998. A Telemar, holding que controla a
Oi, foi formada por sócios com pouco capital e teve de se endividar para
crescer (no ano passado, a agência de classificação de riscos Moody’s rebaixou
as notas de ambas).
A trajetória
culminou na compra da também endividada Brasil Telecom para a criação da
"supertele" nacional, em 2008, com as bênçãos do governo. A operadora
resultante da fusão virou um monstrengo.
O peso da dívida e
a complexidade de unir duas empresas tão diferentes pioraram os serviços,
derrubaram a participação de mercado em vários segmentos e fizeram o valor de
suas ações cair para menos da metade do que valiam antes da fusão. Para tentar
alegrar o mercado (e se alegrar também), os controladores aprovaram um plano de
reestruturação que previa a distribuição de 8 bilhões de reais em
dividendos de 2012 a 2015. Como uma empresa tão endividada e com tantos
desafios conseguiria pagar tanto a seus acionistas? Parecia a quadratura do
círculo. E, como a briga em torno do orçamento de 2013 mostra, era mesmo.
Além de amainar o
ímpeto dos controladores, o futuro presidente da Oi terá de lidar com o legado
de anos em que a empresa teve o menor investimento do setor — um problema sério
num ramo em que a evolução tecnológica torna as operadoras verdadeiros ralos de
capital.
A crise das teles
em julho do ano passado, quando o governo proibiu as operadoras TIM, Oi e Claro
de vender novos planos de celular, deixou evidente que há problemas graves de
qualidade no setor. Em 2012, a Oi passou a liderar listas de reclamações de
consumidores. “As necessidades da empresa são ainda maiores, porque ela está
espalhada pelo Brasil inteiro, inclusive nos rincões menos rentáveis”, diz Juarez
Quadros, sócio da Orion Consult e ex-ministro das Comunicações.
O mercado recebeu
mal a saída de Valim. A avaliação é de que ele estava começando a entregar
resultados próximos do prometido. Os analistas creditam o aumento de
investimentos reivindicado por ele ao aperto da regulação no ano passado. De
fato, a Agência Nacional de Telecomunicações só liberou as vendas de novos
celulares das operadoras depois que elas se comprometeram a aumentar os
investimentos em rede móvel e no atendimento a clientes até 2014.
Os controladores da empresa
afirmam que o plano será mantido. Isso significa que a Oi investirá, em média,
6 bilhões de reais e pagará 2 bilhões em dividendos ao ano até 2015. Dar
dinheiro aos controladores, agradar aos reguladores, pagar os credores,
conquistar clientes, investir e apaziguar os acionistas minoritários. Tudo ao
mesmo tempo. É mesmo uma tarefa inglória.
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